A escola não tinha condições de levar os alunos para assistirem peças nem de contratar atores para apresentações. Além da falta de verbas, havia a falta de espaço. Os alunos também não tinham condições de pagarem ingressos caríssimos. O teatro era uma experiência nova para eles e para a instituição. Por conta disso, comecei trabalhando temas contemporâneos e fatos rotineiros das comunidades do Rio de Janeiro. É válido, por exemplo, preparar uma turma para apresentar uma cena que retrata as remoções de casas para urbanização. Isso gera um debate e dá um gancho para trabalhar as ações de Pereira Passos e até mesmo de D. João VI. Eu sempre tirava uns dez ou quinze minutos de minhas aulas para falar das peças que estavam em cartaz. Isso ampliou meu diálogo com os alunos,que passaram a tomar iniciativas e tirarem dúvidas. Alguns até davam sugestões de peças.
Tentei levar o teatro para todas as turmas da instituição, mas no supletivo, onde mais carecia de uma necessidade de aprendizagem, não deu para levar adiante, em consideração ao longo conteúdo programático e ao pouco tempo de aula e decurso. No ensino regular, por sua vez, o resultado foi satisfatório, sobretudo, no primeiro ano do Ensino Médio, onde o bom entrosamento permitia que as decisões fossem tomadas em conjunto e tivessem um melhor aproveitamento.
Pensando nos objetivos:
Costumo dizer que quem tem uma sala de aula tem um mundo, mas quem se permite ir além das salas de aula, tem vários mundos. A História, por si só, não se limita. Por que o ensino da História há de ser limitado, se podemos ensinar através da poesia, das obras de arte e do teatro? Minha intenção, a princípio era mostrar que o teatro como fonte histórica é riquíssimo, pois uma peça, por mais antiga que seja, sempre representa os valores de uma sociedade. Através do teatro, as aulas de História tornam-se mais dinâmicas, divertidas e menos cansativas. O teatro também melhora o convívio entre os alunos e trabalha a criatividade deles.
O processo
O primeiro passo do processo foi uma conversa para saber o que eles sabiam sobre teatro e como reagiriam se eu utilizasse o teatro nas aulas. Fiz relações entre a História e o teatro. Falei que Heródoto, conhecido oficialmente como o pai da História era grego e que Téspis, conhecido por muitos como o primeiro ator, também era. A recepção foi boa, mas para economizar tempo, optei por leituras e breves debates, com questionários para serem respondidos em casa. Fazia o meu planejamento com uma semana de antecedência. Procurava dentro do conteúdo programático, um meio de encaixar o teatro, levando em consideração os interesses dos alunos e suas dúvidas. Pesquisava jogos teatrais que incentivassem o trabalho de equipe e a contação de histórias e reduzisse a insegurança. O resultado era visto nas apresentações dos seminários.
Para trabalhar o Absolutismo, escrevi “O Estado Sou Eu”. Em apenas uma aula, os alunos fizeram uma leitura e depois comentaram, enfatizando as diferenças entre uma monarquia absolutista e uma república. Não limito o teatro às aulas História. Numa aula de Sociologia do primeiro ano do Ensino Médio, trabalhei “O Juiz”, esquete que escrevi com a temática do aborto. Em uma turma de terceiro ano, passei como trabalho de casa uma crítica sobre o espetáculo Favela – O Musical, considerando a realidade dos alunos, quase todos de baixa renda.
Apenas dois alunos compareceram. Alguns professores, por um breve momento, acreditaram que não daria certo, pois os alunos não estavam acostumados com o teatro. Eu precisava tentar. Como eles vão gostar de teatro se não conhecem o teatro? Eles precisavam conhecer.
É bom enfatizar que o processo de aprendizagem funciona a longo prazo e o apoio dos pais dos alunos, que acabou contagiando os demais professores e a instituição, foram fundamentais. Como os dois alunos gostaram do espetáculo, iniciei um debate acerca dos contrastes sociais. A partir do debate, mais alunos se interessaram em assistir a peça, que virou o comentário da semana no colégio. Com base na peça e nos debates, formulei as provas e testemunhei a melhora na qualidade textual dos estudantes e no poder de argumentação dos mesmos e o senso crítico. Gradualmente eles foram manifestando a vontade de apresentar um espetáculo que não foi concretizado porque precisei me afastar da instituição.
Refletindo sobre o seu trabalho
Sem dúvidas o teatro facilitou o processo de aprendizagem e aproximou de maneira ímpar todos os atores envolvidos neste processo (aluno, professor, pai / mãe e instituição). Alunos que sempre discutiam passaram a ter uma convivência melhor e aprenderam a trabalhar em equipe. É claro que isso não aconteceu rápidamente e não consegui concretizar todos os meus planos, já que não consegui levar o teatro adiante em determinadas turmas. A falta de dinheiro e de espaço e a descrença de outros profissionais que poderiam somar neste processo foram as maiores dificuldades. Além disso, não conseguimos apresentar um espetáculo. Ainda assim, estou satisfeito, pois um dois dos meus alunos resolveram fazer teatro, outros dois escrevem músicas e poemas. Se conseguirmos mudar a vida de um aluno é porque o trabalho não foi em vão.
Referência Bibliográfica
Para esta experiência, o meu pilar foi o "Teatro do Oprimido" de Augusto Boal. Utilizei Boal por dois motivos: ele defende o teatro para todos, independente da profissão que o indivíduo almeja. Além disso, Boal nasceu na Penha, bairro vizinho de Olaria, onde o colégio se localiza.
Bibliografia
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1970.